Escrevi este artigo em 2008. Mas acho que ele fica mais atual a cada dia.
Desde
que eu era criança em Bauru e até meus 45 anos de idade mais ou menos,
todo Natal era especial. Meus avós, seu Duarte e Dona Dora, faziam
questão de reunir a família durante as festas de final de ano. Era uma
grande bagunça, entre vinte e trinta pessoas nos almoços e jantares
festivos, com a leitoa e o creme do Vô, os bate papos, a entrega dos
presentes e do envelope com dinheiro para cada filho, neto e bisneto.
Uma grande farra. E eu ficava fascinado vendo aquele monte de tios e
tias trabalhando para a festa. A Vó matando a galinha, a mãe fazendo a
sobremesa, o tio mudando os móveis de lugar. E todo mundo espremido numa
casa onde quase não cabia todo mundo. Ninguém reclamava, era uma grande
festa que durava pelo menos dois dias: do jantar do dia 24 para o
almoço do dia 25. E emendando com o dia 31, claro!
Mas um dia o
Vô Duarte morreu. E logo em seguida a Vó Dora se foi. Sem os dois como
os elementos de atração, a autoridade que todos respeitam, cada um foi
para seu canto e nunca mais a família se reuniu. Eventualmente nos
encontramos numa ocasião especial, um casamento ou velório, mas é só.
Essa deve ser a dinâmica natural das famílias, não é? Com a morte dos
avós, cada um vai para um lado, formando novos núcleos, onde novos avós
vão se tornar o centro das reuniões. E assim vai de geração em geração.
Mas será?
Pesquisas já demonstraram que estamos muito melhor que
nossos pais e avós quando tinham nossas idades. Se você comparar um
pobre de hoje com um rico da idade média verá que temos uma condição de
vida infinitamente melhor. Esse “estar melhor” quer dizer que deveríamos
ter mais tempo e mais dinheiro para investir nos momentos de reunir a
família e os amigos, não é? É. Mas aquelas festas generosas, não existem
mais. Ninguém mais tem saco para enfrentar horas e horas de cozinha,
toneladas de louça, roupas de cama e toalhas para lavar depois. E o
dinheiro que custa uma reunião dessas? A tremenda quebra da rotina que
aqueles eventos significavam é hoje um tabu. Ninguém mais quer
incomodação. Estamos ocupados demais, cansados demais, apressados
demais... Estamos perdendo aquilo que o cientista político e professor
norte americano Robert Putnan definiu como "capital social": nos últimos
quarenta anos assistimos a redução do envolvimento cívico e político,
dos laços sociais informais, da tolerância e da confiança. Passamos
menos tempo com os amigos, freqüentamos menos clubes, nos afastamos da
política, dedicamos horas e horas à televisão e internet e recebemos
pelas mídias uma carga diária de catástrofes que nos transformam em
indivíduos medrosos, descrentes e desconfiados. Nesse ambiente perdemos a
capacidade de interagir socialmente. “Interação social” passa a valer a
pena só quando dá lucro. Ou se transforma num processo mecânico,
distanciado por um teclado, uma tela e uma conexão wifi.
Será que isso é bom ou é ruim? Não sei, mas o Vô Duarte e a Vó Dora fazem uma baita falta.
Escrito por Luciano Pires
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