Desde pequeno acostumei-me com a guerra. 
Primeiro foi uma 
guerra para sair do conforto do ventre de minha mãe, onde eu tinha 
alimento e segurança, num dia que chamaram de parto e depois deram o 
nome, talvez só para me tapear, de aniversário.
Depois veio uma guerra particular bem interessante que consistia em ficar em pé e aprender a andar. 
Lá
 pelos quatro anos de idade fui apresentado a um verdadeiro arsenal de 
guerra, formado por bisnagas de plástico, confetes e serpentinas, 
durante uma festa que atendia pelo nome de Carnaval. Eram guerras bem 
animadas!
Anos depois, viriam as guerras que guardo com mais 
carinho na memória. A guerra de almofadas que começava na sala e 
terminava como guerra de travesseiros no quarto. Foi uma época de 
desenvolvimento de táticas de guerrilha. Eu me entrincheirava atrás do 
sofá e espalhava sapatos e chinelos-mina pela sala e corredores.
Trocar
 a TV, o videogame e as brincadeiras com os colegas pelas tarefas 
escolares eram uma guerra e tanto. O mesmo para arrumar o quarto, tomar 
banho e ir dormir cedo.
Então veio uma série de outras guerras. 
Guerra para ser aceito pelo time de basquete do clube, mesmo sendo 
baixinho. Guerra para tirar boas notas e se destacar na escola. Guerra 
para entender as transformações que os hormônios provocavam no corpo. 
Guerra para criar coragem e convidar aquela garotinha para sair... 
Mais
 alguns anos e as guerras foram tomando conotação mais séria. Guerra 
para passar no vestibular. Guerra para obter o diploma. Guerra para 
conseguir um emprego e, estando nele, aprender a aceitar a hierarquia, 
os conchavos nos corredores, as conspirações no hall do café, as 
armadilhas no elevador. Guerras corporativas engendradas por coronéis 
sem patente, travadas por soldados muitas vezes lançados a campo sem 
treinamento e provisões. Guerra contra a concorrência, sem interesse na 
diplomacia. Guerra contra a ineficiência, sem previsão de armistício. 
Guerra pelo consumidor, por sua preferência e fidelidade. 
E, 
nesta toada, guerra para encontrar uma alma gêmea. Guerra para seduzi-la
 a casar-se e, depois, a separar-se. Guerra pela custódia dos filhos. 
Guerra para montar uma empresa, pagar salários, pagar impostos – e, de 
repente, ter que fechar a empresa. Guerra contra os juros do cheque 
especial.
Lendo os jornais observo o desenrolar de outros tipos 
de guerra. Guerra pela demarcação geográfica, guerra pelo petróleo, 
guerra pela autoridade. E, talvez, a pior de todas: a guerra em nome de 
Deus, a que chamaram de guerra santa, apenas para envolver de corpo e 
alma milhões de inocentes, jovens ou maduros, mas que na verdade atende 
aos mesmos preceitos de terra, dinheiro e poder de todas as guerras 
convencionais.
Hoje, já adulto, dei-me por conta de como nossas 
guerras vão perdendo significado real na medida em que nossas pernas 
crescem. As guerras migram do prazer para a ignorância, da pureza para a
 intolerância. Bilhões gastos para matar mais gente, quando poderiam 
amenizar a dor e o sofrimento, a fome e a miséria, de milhões espalhados
 pelo mundo.  Muito dinheiro investido em produtos que não são 
desejados, em tecnologias que não serão usadas, em treinamentos que não 
proporcionam aprendizado, em confraternizações que não geram integração.
 Tudo porque as nações tratam as outras como países, isolando-se em 
torno de seus interesses. Tudo porque as empresas tratam seus 
colaboradores como móbiles, fertilizando o terreno para uma guerra civil
 ao não definirem seus valores, missão e ideais de forma compartilhada.
Olhamos
 para o lado e vemos a guerra para saber quem avançará primeiro o 
semáforo fechado, a guerra para determinar quem vencerá a licitação, a 
guerra contra o narcotráfico, a guerra pela sobrevivência. Nesta hora 
vemos que Darwin enganou-se, que a seleção não é natural porque a 
natureza quer, mas porque o homem assim o deseja. 
Então, 
coloco-me diante de minha maior guerra pessoal: a de entender o porquê 
de as coisas serem assim. Compreender como fui me deixar convocar por 
este exército de insanos. E imaginar em qual ponto no espaço e em que 
momento no tempo desgarrei-me da criança que vivia e amava a guerra, 
como ela deveria ser.
Escrito por Tom Coelho
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